Minhas poesias de crítica e raiva
Dorme a lágrima sombria
Contida em insana rebeldia
Ilusão mascarada em desespero escondido
Dorme profundamente e relutantemente.
Não se deixa cair.
Guardada no olho frio e vão
Nunca será mensagem de perdão.
Dorme mordaz e gélida
Esfriando as tórridas veias
De amor assassinado.
Matador contrafeito derrama
Gota de sangue pelo olho esquerdo.
A alma desfalecida esvai-se
Pelo rosto armado...
Sentida a dor pungente ao ato praticado
Consciência latente, arrependimento contrastado
E as contrações desesperadas.
Ondas de pavor despertam a mente acabrunhada.
Corre com demência a fugir
Do monstruoso interior
Que insiste em rebater a realidade
Com chicotadas de força superior.
Fugirá! Não mais, os pés retrancam.
A loucura em seu cérebro é visível.
O rosto de riscos vermelhos, de sangue seco,
Mostra olhos arregalados de insano desejo.
O objeto cortante traz a sensação brilhante ao ser.
Plácida a lâmina aguarda impotente e insensível.
A mão acuada adormece como a lágrima.
Dorme a mão sombria...
Andréia Cristina Saffier
2003
Sensação de ódio
Branco, pegajoso, imenso, sem fim;
Inerte, sem história, sem rebento, da escória, enfim;
Sangrento, tétrico, tormento ético, sem escrúpulos;
Sem transparência, sem mel, ardido.
Grunhido, surdo, poço sem fundo;
Fim sem princípio, juízo injusto;
Cuspido, nulo, escuro, distante;
Junto, carnudo, inconstante;
Caído, zunido, deixado, fétido;
Sem gosto, mal gosto, idiótico;
Sem jeito, sem sentido, inconseqüente;
Saído do nada, inominável.
Apanhado, rasgado, enjeitado, retardado;
Sem sentido, sem proveito, desrespeito;
Abatido, pervertido, sinônimo de tristeza
misturado a realeza, orgulho miserável.
Chocante, todo instante, sem questão;
Arranhado, efêmero, traz solidão;
Corrido, varrido, indigestão.
Sorri quem não tem essa ação.
Andréia Cristina Saffier
1999
Cidade e Preocupação
Minhas mais belas poesias
Estão contendo seu perfume
Embaladas no sono das
Brumas do meu último sonho.
Doce encanto,
Perseverantes, incessantes,
Deselegantes ventos me contém,
Preocupações num vai e vem.
Sorriso dileto
Dum analfabeto
Das letras do amor.
E corre poesia no meu sangue,
Como fria vertigem de verão.
Nos desmaios sufocados
Destas casas que intentam
Ser cidades em meio aos entulhos
Vejo a perseguição dos surdos de coração.
A plantinha parada no muro esfarrapado
Me diz que ainda há vida
Entre as paredes desoladas
O telhado nu de beleza
Guarda fungos e a incerteza
Daqueles chamados habitantes.
Pode a poesia reerguer um transeunte?
Pó de poesia desaparece no ar,
Mais um dia, mais um nada na carta do estar.
Déia C. S.
1999
Juntei as idéias que deixaste cair
Nas surdas esquinas
De sua consciência
O frio do pensamento
Faz fenecer seus sentimentos
E os sonhos vão morrendo
Tais moscas no deserto
Cresce o medo, a solidão
A desgraça sem razão
A parca ração de desprezo
A impotência
O credo sem sentido
O furor redivivo
De debater-se em incertezas
Gotas de sangue brotam dos olhos
Chuva de pedaços de corpos
Tempo de miséria
E discrepâncias sem fim
Deixe-me a gorjeta do “Amém”
E rirei com sarcasmo trágico
De libélulas escuras e duras
Batendo contra o muro sujo
Corra, corra, corra para todos os lados
Fuja do fracasso, do fracassado
Que medroso sois, infiel sanguinário
Quem disse que tu nunca mataste ninguém?
Andréia Cristina Saffier
2003
Flores do asfalto
Oh, mil flores que caem e fenecem
Nessas mãos murchas de crianças raquíticas e mirradas
Que cheiram o cheiro poerento do asfalto cinza.
De dor os cortes no corpo gritam,
Grasnam para a ignorância alheia
Dos homens de terno, transeuntes do vácuo.
Insípidas mãos as pastam carregam...
A sinaleira já não é mais sinal
Virou toda a natureza da paisagem.
Os pés minúsculos nos chinelos velhos
Se gastam como córregos imundos
Que no esgoto se lavram.
Há escárnio nos que olham
Os olhares regados de fome...
Desespero sufocante traz a raiva
Roubam as pastas, as carteiras, celulares...
Todos esses de quem já roubaram a dignidade.
Deles só não se rouba a fome...
E onde há caridade?
A criança, a mão, o olho, o pé...
A cabeça esmagada embaixo do carro vilão;
O esgotamento do ânimo;
A fadiga inegável do motorista trabalhador;
O caos de um trânsito e de seus cidadãos...
A sociedade em ambas as mãos...
Andréia Cristina Saffier
21/11/2003
Os olhos o céu cinza fitam
De momentos receosos
Se cria o pensamento...
Tormento que em pouco
Tempo fenece...
Como flores destoantes que
Apenas uma vez por ano florescem
E mais um ano de espera tem
O doce caule para rever
A esperança em forma
De cálice e pétalas...
Os olhos o céu cinza fitam.
Os dedos de nervosismo batucam.
As crianças devagar e sofregamente
Lêem as primeiras palavras
Que soam finalmente como o som da vitória
A deusa dos guerreiros mais audazes
Que sopra na alma um vento arrepiante
Pura emoção dos que sofrem por um povo
E não há grande alma que não se engaje
Em uma causa
E por ela viva e morra com justiça
Não há amigos que não se ajudem
Tal qual
Não há receios que não passem
Com os minutos os tormentos morrem
E sobre seu sepulcro os conhecimentos
Nascem...
A montanha no horizonte majestosa
A neblina calma e pacífica no pico...
As árvores que perpassam o caminho
Os raios do sol entre as nuvens cinzas
Tudo continua no mesmo lugar...
Andréia Cristina Saffier
20/09/2003